domingo, 6 de junho de 2010

Corações militantes



Há algum tempo, respondendo a um desses selinhos com perguntas que às vezes circulam entre os blogs, escrevi aqui que uma das oito coisas que desejaria fazer antes de morrer era publicar um livro com a obra completa de minha mãe, a poeta Jacinta Passos. Pois bem: nesta próxima terça-feira, dia 8 de junho, entre 18 e 21 horas, no Conjunto Unibanco de Cinema Gláuber Rocha, em Salvador, estarei realizando esse desejo antigo, que me ocupou os últimas anos de trabalho: neste dia, lançarei em Salvador Jacinta Passos, coração militante, um volume de 580 páginas, que contém todos os livros publicados em vida por minha mãe, ao lado de seus poemas esparsos, textos inéditos em verso e prosa, biografia, fortuna crítica, fotos e estudos escritos especialmente para esta publicação, iniciativa da Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA) e Editora Corrupio, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). 
O livro, com produção editorial de Bete Capinan e projeto gráfico de Ângela Dantas Garcia Rosa, está muito bonito. É embelezado por desenhos que o grande artista brasileiro Lasar Segall fez originalmente para Canção da Partida, um dos livros de Jacinta, agora reproduzidos graças à autorização do Museu Lasar Segall, de São Paulo.
O volume traz de volta uma mulher corajosa e uma poeta importante, falecida em 1973, que, por falta de circulação das obras, estava caindo no esquecimento. Espero que contribua para reavivar o interesse em torno da literatura e da figura de Jacinta Passos, gerando novos estudos sobre ela.
Para mim, pessoalmente, além de poder contribuir para o resgate de uma escritora, sinto um tipo de felicidade muito pessoal, difícil de traduzir. Trata-se da realização de um desejo fundo, de um sonho que já me pareceu quase impossível, porém agora é realizado: o reencontro com minha mãe (com quem não fui criada) e, por meio dele, com a minha própria história.  

*Imagem: minha mãe e eu, Jacinta e Janaína.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Maria Sampaio



Retornar ao blog está sendo muito difícil para mim, pois anteontem, dia 2 de junho, perdi uma amiga muito querida: Maria Guimarães Sampaio. Nós nos conhecemos na adolescência, pois nossas famílias eram amigas e, depois que meu tio Jorge retornou para a Bahia, nossos contatos se amiudaram. Passei umas férias inesquecíveis na casa de Maria, nós duas com 16, 17 anos, soltas em Salvador, indo a carnaval, parque de diversões, praias, era uma risadaria só, nós duas e Nanã, prima dela. Os pais de Maria, Norma e Mirabeau Sampaio, ele um comerciante com alma de artista - teve uma das mais belas coleções de arte sacra do Estado, ele próprio um artista de primeira -, e seu irmão, Artur, me garantiam uma acolhida alegre e carinhosa na casa deles, inesquecível.
Maria e eu nunca nos perdemos de vista, mas a vida nos afastou, cada uma prum lado em cidades diferentes, cuidando da própria vida, tombando, recomeçando. Há alguns anos, eu já em Maceió, nos reaproximamos. Em 2005, quando apresentei uma palestra sobre a vida de minha mãe, a poetisa Jacinta Passos, foi Maria quem preparou o power point. Fotógrafa de primeira, com participação em exposições e livros, Maria Sampaio se tornara também escritora. Publicou 4 livros: A Estrela de Ana Brasila (que eu adoro) e Rosália Roseiral  (onde entremeia histórias com letras de música antigas), ambos pela Record, e Continhos para Cão Dormir I e II, ambos pela P 55, onde reuniu pequenos textos, pequenas pérolas sobre tudo o que importa na vida. Ao ler Continhos para Cão Dormir I I, lançado no início desta 2010,  ri muito - Maria era excelente contadora de causos engraçados -, mas também chorei muito, porque o senti como um livro de despedida, de adeus. Maria lutava há 10 anos contra o câncer, e nos últimos tempos estava muito difícil viver. Morreu sedada, como pediu, "pra só abrir os olhos do outro lado".
Não conheci ninguém mais valente do que ela. Não só na luta contra a doença - enfrentava suas batalhas pessoais e, no grupo Bem-Viver, ajudava os outros a suportarem as suas -, mas na atitude diante da vida, sempre destemida, fazendo e dizendo o que bem entendesse, quando e como entendesse, sem papas na língua, gostassem ou não. Era capaz das maiores zangas e das maiores ternuras, não raro as duas misturadas. Não existia meio-termo para ela. Ninguém podia ficar indiferente a Maria, acho que por isso foi tão amada, e por isso marcou tão fortemente cada pessoa de quem se aproximou, mesmo que por um breve tempo. Imaginem numa amizade de uma vida inteira.
Não consigo mais escrever sobre ela, as lágrimas caem sem que eu queira, ainda estou ferida demais da perda e da saudade. 
Para que vocês conheçam um pouco mais sobre Maria - e, aqueles que a amaram, para que se recordem novamente dela -, tomo a liberdade de colar aqui o lindo texto que Jorge Velloso escreveu sobre ela, e que a avó dele, Mabel Velloso, grande, querida amiga de Maria, com a voz embargada leu  na cerimônia do crematório de Salvador, emocionando-nos a todos que estávamos lá, e trazendo inteira a figura ímpar, inesquecível, de Maria Guimarães Sampaio.

Tucão está em novo estúdio



Se fossem reveladas fotografias de nossos corações hoje, com certeza sairiam sem cor, sem preto nem branco. Afinal, nossa fotógrafa, nossa companheira de farra, nossa tia, nossa amiga, nossa Maria Sampaio se despediu. Cansou, se retou (como ela mesmo gostava de falar) e foi fazer novos retratos, num estúdio lá por cima.
Se a internet do Céu estiver em boas condições, com certeza logo veremos fotos de São Jorge passeando de cavalo no blog de Maria. Com certeza veremos fotos de São Francisco brincando com Tieta e outros cachorros no Continhos para Cão Dormir. Veremos fotos de Dona Zélia com Jorge ao lado de Dona Norma e Dr. Mirabeau...

Ah! Com certeza, essa hora Maria está toda enturmada. Já deve ter arranjado um monte de empregos free lancers e está toda serelepe fazendo até foto 3x4 de Jesus Cristo, enquanto Voltaire Fraga faz de São Benedito.

Lá por cima deve estar um salseiro, porque do jeito que Maria era aqui embaixo, ela já deve ter contado um monte de casos engraçados que ela ouvia em Santo Amaro e claro, já deve ter mandado um monte de anjo chato à merda, porque muito puritanismo com ela não cola.

    Só espero que ela não olhe aqui para baixo porque Maria vai se retar se vir que estamos todos tão tristes, tão saudosos e com a fotografia da saudade estampada no peito. Ela pediu que os amigos estivessem reunidos na hora que ela mudasse para o estúdio do primeiro andar, e aqui estamos, mas é nosso dever fazermos o possível para colocar pelo menos um pouco de cor no retrato deste adeus.

Uma boa saída é lembrarmos as gargalhadas de Maria. Assim, instantaneamente já vamos ser contagiados com o flash da felicidade e colocaremos um pouco de cor na foto de um dia tão triste.


Siga em paz, Tucão, e obrigado por ter dado tanto bem-querer a mim e à minha família. Ah! Quando eu te encontrar no novo estúdio vou querer que você faça fotos minhas tão bonitas como as que fez no meu casamento.

Jorge Velloso

* Foto de Maria Sampaio feita por Adenor Gondim, publicada no jornal A Tarde, Salvador,3/06/2010.