sexta-feira, 30 de abril de 2010

Hoje acordei (8)



Hoje acordei…

… olhos verdes.
Transparentes mistérios
e este fundo de mar.



Hoje acordei…

… esfomeada.
Gangorra de melancia
Professora de sorvete
Caderno de macarrão
Nintendo de chocolate


Hoje acordei…
… curiosa:
o que será que o mundo tem
além, mais além
do colo da minha mãe?

* Imagens (de cima para baixo): daqui, daqui e foto de Rose Guaditano (Brazil Photo Bank),

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Poema contraditório


Poema contraditório

Você acredita em bruxa?
Eu, não. Mas elas existem.

E você, acredita? Eu acredito.
Mas elas não existem.

[Da série "Poemas para crianças", que estou escrevendo.]

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Diálogos (im)possíveis 17





com o que é que a gente sonha antes de morrer
biblia Raquel mostra os peitos
hostilizo meus ocos
documento de abandono de tratamento ortodontico
cacete do fred flintstones
homem bate a cabeça e abre ao meio em concreto ao tentar um
quanto uma mulher tem que medir de peito
como chegar humilhar com estilo menina xingando menino
quando morreu Milor Fernandes
arcadesenho da garça engolindo o sapo e o sapo apertando o p
contos de xoxota da tia
acordei as 4 horas
cursos de costura industrial

Não, (ainda) não enlouqueci. As frases acima são palavras-chave, keywords que leitores desavisados registraram no google e, sabe-se lá Deus por que, os conduziram até meus blogs. Acontece com vocês também?

*Imagem daqui

terça-feira, 20 de abril de 2010

A menina e o aniversário

A menina sabe: neste dia mágico tudo é para ela, por causa dela, em função dela, por ela. Não tem coisa melhor no mundo do que aniversário. Bastante tempo antes, já começa a perguntar: Falta muito pro meu aniversário? Mas pouco, quanto? É amanhã? E o meu bolo vai ser bonito? O que você vai me dar de presente? E você? Eu não quero surpresa nenhuma, eu quero saber qual é o meu presente de aniversário agora!

A ansiedade aumenta, alcança níveis quase insuportáveis, mas a menina entende que é ansiedade boa, vontade de chegar logo o grande dia, quando ela – que normalmente se sente pequena, insegura, solitária – de repente se transforma numa linda princesa, amada e poderosa.

Para a menina, o melhor do aniversário são os presentes. Hi hi hi, não tem nada melhor na vida do que ganhar presente, não tem não, a menina ri inteira enquanto rasga o papel de embrulho, louca para descobrir o que há ali dentro, o que estão lhe ofertando, qual dádiva lhe cabe. Tão feliz, tão feliz, tão feliz, todo mundo em volta de mim, todo mundo me amando! E ela pula de alegria pela casa inteira, no meio dos convidados.

Suas festas de aniversário são modestas, os pais não as incentivam muito, mas quem se importa? A menina as considera enormes, coloridas, animadas, sente a cidade inteira comemorar junto com ela, com bolo, guaraná e brigadeiro em casa, nas ruas as bandas de música, as praias lotadas, bandeirinhas, balões, parques de diversão cheios de crianças… No dia do seu aniversário, não vai à escola. Nem meus pais trabalham, só pra ficar comigo, conta para a amiguinha, derretendo-se de satisfação.

O aniversário também representa uma das piores desilusões da menina.

Está no primeiro ano de escola, sentada junto aos coleguinhas, na sala de aula. A professora lhes pergunta: “Quem sabe por que no próximo 21 de abril é feriado?” Silêncio total, expressão da mais profunda ignorância. Mas eis que um dedinho se levanta...

“Viram, crianças? A menina sabe! Diga, menina, fale bem alto para todos os seus colegas ouvirem: por que o dia 21 de abril é feriado nacional?”

Peitinho inchado de orgulho, a menina responde: Porque é meu aniversário, ora!

Mas… por que a professora tá rindo? Hã? O quê? Qual Tiradentes? Que Inconfidência Mineira? Que diabos essa professora tá dizendo? Não estou entendendo nada, não pode ser!

Respira fundo e, já com os olhinhos cheios de lágrimas, balbucia, inteiramente perdida:

Mas e o meu aniversário? E eu???

Até hoje não se recuperou direito do momento em que perdeu a primeira infância.


Imagens: Bilhete e foto da menina aos 5 anos.

domingo, 18 de abril de 2010

Pra começar bem o dia (12)


Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.


Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

[Leia trecho de entrevista do grande escritor português Manuel Alegre aqui.]
*Imagem: Brigitte Bouron, Barque sur la Mer

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A menina e o pai


A menina encontra o pai aqui.

sábado, 10 de abril de 2010

Hoje acordei... 7


Hoje acordei...

… o poderoso amarelo.
Raio de sol, doce-de-leite
(ambrosia na panela)
e na janela canários.


… chuva.
Vim te molhar,
vim te refrescar
— te fertilizar.


Hoje...

... não acordei.
Um olho semicerrado,
e o outro
ainda…
fechado!


Hoje acordei…

… enluarada.
Maré cheia, dor minguante,
vida nova, amor crescente.

* Imagens, de cima para baixo: daqui, daqui, daqui e daqui.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Tragédia no Rio e Niterói


Este blog está hoje de luto, pela imensa dor dos moradores do Rio, Niterói e suas regiões metropolitanas. Um abraço solidário e comovido a todos os que perderam amigos e parentes nesta tragédia brasileira que não parece ter fim, pois se repete, em maior ou menor grau, todos os anos.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Tarô pessoal, carta 8

Desamparo

Como andar pelo mundo assim sem um amor, um talismã, um cajado, sem um único amigo, um cahorro, uma ovelha, sem ao menos a lembrança de um lugar para chamar de meu? Como seguir assim trôpego e vazio, este buraco por peito, no rosto a ventania sem nome que traz areia, seca os rios e engole as lágrimas que não me descem? Como vagar assim sem liberdade, decidir sem desejo, continuar arrastando vida afora esta pesadíssima, insuportável sensação de não me sentir amado, pior ainda: não merecer ser amado?

Quando eu, a carta do Desamparo, o escolhe, amigo, não resta dúvida: é hora de você baixar armas, e sair correndo a pedir colo e abraço, onde eles estiverem. Você vai se surpreender duplamente: com a enorme quantidade de desamparados e com a enorme quantidade de amor no mundo.


* Imagens: BBC e daqui

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Mãe que fosse


Há histórias que eu só escuto na Bahia. Não sei se são os personagens, se é o jeito de contar, se é o enredo... sei que são histórias baianas.

Esta se passou em Santo Amaro da Purificação e, me dizem os baianos, é verídica. Lindaura foi a Santo Amaro visitar a família da irmã, que não via há bem uns dois anos. Abraçou a irmã e o cunhado, beijou as sobrinhas, espantou-se com o crescimento do sobrinho:

— Tadeu, você está um homem, já! Quando eu lhe vi pela última vez, você era uma menino, agora já está um rapazinho! Deixa eu ver, já tem até bigode! – exclamou a tia, passando o dedo no buço de Tadeu que, do alto dos seus 13 anos de idade, abaixou a cabeça, morto de vergonha.

À noite, Tadeu levantou-se para ir ao banheiro. Atravessava o longo corredor da casa – daquelas casas antigas de Santo Amaro, salinha de entrada, longo corredor com quartos dos dois lados, ao final a sala de jantar/cozinha, onde fica a família toda e, só depois, o banheiro -, quando passou pelo quarto onde dormia a tia. Devido ao forte calor a porta estava aberta, e a tia, uma quarentona bem apanhada, dormia descoberta, deixando à mostra o corpo moreno muito bem torneado.

No auge da explosão dos hormônios, o jovem Tadeu não resistiu: entrou no quarto e caiu em cima da tia. Ela acordou assustada e, ao entender o que se passava, deu-lhe a maior bronca:

– O que é isso, menino? Que maluquice! Me respeite! Eu sou sua tia!

Ao que Tadeu respondeu:

– Mãe que fosse!

No dia seguinte, a tia contou a história em família, rindo. Em pouco tempo, toda Santo Amaro sabia do caso. Quando Tadeu passava, gritavam-lhe, para seu desespero:

- Mãe que fosse!

O apelido grudou de tal forma que, dizem, Tadeu Mãe-Que-Fosse teve de mudar-se, nunca mais voltando a Santo Amaro.

[Escrevendo da Bahia]
* Aos leitores portugueses: lembrando que, no Brasil, “apelido” é o mesmo que “alcunha”.
** Imagem daqui