sábado, 30 de agosto de 2008

Olhos verdes


A mãe dela dizia sempre: “Os olhos dele são verdes”, mas ela sabia que não. “São pretos, tá me ouvindo? Eu é que sei”, respondia, naquela irritação típica de adolescente com mãe. Às vezes pensava: “Os olhos pretos dele são como rochas, que suportam o mar, o mundo. Me protegem. Com os olhos pretos dele, nunca vou afundar na vida”.
Encontraram-se ainda muito jovens, ela quase menina, ele pouco mais velho, estudante universitário. Paixão. Descoberta da vida, adivinhação do sexo (que não fizeram, ela prometera à mãe, os tempos eram outros), conversas íntimas, sonhos de casamento, afinal os pais aprovavam, tudo nos conformes, previsível, como os pretos olhos dele.
Deu tudo errado.
Ela buscou outros chãos, curiosa aventurou-se pelo mundo, sôfrega de emoções, conhecimento, felicidade. Afundou, reergueu-se para novos mergulhos, píncaros e vales, no meio um longo casamento que deixou lembranças difíceis mas filhas lindas. Mudanças, recomeços, vitórias, realizações profissionais, pessoais. E também aquela persistente insatisfação, aquela busca que não parava nunca de pedir, de exigir dela que procurasse, que insistisse, que não desistisse. Não sabia bem o quê, do quê. E como não sabia, não encontrava. Ficava só aquele oco, o sentimento da falta.
Ele seguiu seu caminho longe, dedicou-se seriamente à carreira, chegou ao ápice ali. Casamento também longo e infeliz, também filhos lindos. E uma tristeza... que não passava. Em frente ao mar da sua cidade, muitas vezes se perguntou por onde ela andaria, em que outros mares navegava – e o que via era só horizonte vazio. Uma tristeza que nunca o deixava.
Reencontraram-se há pouco, quarenta anos depois. Tudo de repente fez sentido. Redescoberta da vida, do sexo selvagem e manso como só os experientes sabem. Quanta história pra contar! Agora caminham os dois por aí de mãos dadas, felizes, felizes. Só querem saber de namorar, nada de casamento formal. E ela descobriu que os olhos dele são, sim, verdes. Como relvas, que não agüentam o mundo mas onde ela pode se deitar, rolar, afundar no prazer, na alegria, relaxar -- enfim se aconchegar.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Barack Obama: um caso de amor

Tenho um caso de amor assumido com Barack Obama desde o segundo semestre do ano passado. Nada poderia me deixar mais feliz e esperançosa do a sua indicação para candidato democrata à presidência dos Estados Unidos. Não se enganem: ele pode mudar os rumos do seu país e, por tabela, do mundo.
Voltarei ao assunto.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Se perder, se achar

Ouvido de uma amiga, que andava deprê mas reapareceu com voz ótima, alegre:
"É que eu me achei de novo em alguma esquina por aí..."

Cascas-grossas

Não sei você, mas eu detesto grossura.
E adoro criança.

Cascas-grossas

Lagartixa jacaré

Lagartixa jacaré
rinoceronte

Lagartixa jacaré
rinoceronte
dragão

Lagartixa jacaré
rinoceronte sapo
dragão

Lagartixa jacaré
rinoceronte sapo
tartaruga
dragão

Lagartixa jacaré
rinoceronte sapo
tartaruga
elefante
dragão

Lagartixa jacaré
rinoceronte sapo
tartaruga
elefante besouro
dragão

Será que
debaixo da
casca grossa
eles têm um
coração?


Janaína Amado

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Palavras existem para ocultar

Palavras existem para ocultar, para mentir. Narrativa é an­tes de tu­do dissimulação, arte de ilu­dir, má­gi­ca: como diabos conseguiram serrar ao meio a mu­lher -- juro que vi­mos, com es­ses olhos que a ter­ra há de comer! -- , e ela ressur­ge agora à nos­sa fren­te in­tei­ra, re­lu­zente sob ho­lo­fo­tes, o maiôzinho es­car­la­te sal­pi­ca­do de mi­çan­gas ver­de-es­cu­ro? Hein?
Se o truque é revela­do, aca­ba a graça. Talvez por isso tão cir­cuns­pec­tos os cien­tis­tas e pro­fes­so­res uni­ver­si­tá­rios, de quem se espera a dis­se­ca­ção, catalogação e re­ve­la­ção dos se­gre­dos do mundo, a com­pe­ten­te ex­po­si­ção pública de truques varia­dos: os truques da lin­gua­gem, os da so­cie­da­de, os dos ani­mais....
Se­gre­do re­ve­la­do, mun­do desencantado. Fic­ção é mis­tério, tru­que. Entre os vários significados do verbo latino fin­go, estão "fin­gir" e "in­ven­tar".
Narremos, pois. Inventemos.
Sem ilusões de verdade, acreditando no truque.