sábado, 30 de maio de 2009

Sertão



Se eu soubesse que chorando
Empato a tua viagem
Meus olhos eram dois rios
Que não te davam passagem


Cabelos pretos anelados
Olhos castanhos delicados
Quem não ama a cor morena
Morre cego e não vê nada

Letra e música de Antônio dos Santos, o Volta Seca, cangaceiro do bando de Lampião. Adoro estes versos, principalmente a primeira estrofe.
Escute aqui a gravação original, cantada pelo próprio Volta Seca. Para saber mais sobre essa beleza de disco , clique em Cantigas de Lampeão.

Aqui, você ouve "Acorda Maria Bonita", bem mais animada, cantada também por Volta Seca:



Hoje acordei sertaneja. Inspirada talvez pela literatura de Herberto Salles, de que tanto gosto, talvez por fotos de sertanejas que andei vendo. E porque, para além da geografia, sertão faz parte do imaginário da gente brasileira, lugar íntimo, relicário, origem, princípio e fim, tempo remoto, futuro, raiz e flor aonde precisamos e gostamos de vez em quando de voltar.
Acordei sertaneja.

*Imagem daqui

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Terra molhada





Não pude deixar de me deslumbrar. Depois de atravessar um jardim de cheiro bom, cheguei a uma sala simples, bonita. Senti imediatamente paz. As luzes e sombras das luminárias da artista traziam certo mistério ao ambiente. Mesmo com pessoas falando, ouvi silêncio. Nada ali se oferecia, era preciso ir descobrindo aos poucos os incensários, castiçais, pinturas, azulejos, esculturas, os pormenores no chão, teto, paredes... De repente, tive a sensação de que o tempo parara, seduzido talvez pelo mais remoto dos materiais, o barro, de que são feitas quase todas as peças da artista. Às vezes, o barro é combinado com limalha de ferro, rendas, tecidos, o que surpreende e agrada aos sentidos. Invenção e delicadeza, tradição e beleza, coerência e criatividade — lugar de arte.

Falo do atelier Terra Molhada, em Maceió, onde a artista Hilda cria e expõe suas obras. As fotos, de Luiz Carlos Figueiredo, dão uma idéia da produção atual da artista. Para conhecer o trabalho de Hilda, ligue (82) 9321.0441, para marcar uma visita.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Tocando a vida


Não eram lembranças. Não havia nomes, personagens, enredos, histórias, nada que ela pudesse identificar.
Eram lampejos. Raios que irrompiam de repente em sua vida, dentro da escola, no banho, lavando louça, no trabalho, onde estivesse surgiam e sumiam aqueles clarões, estilhaços, sem que...
[O texto continua aqui]

terça-feira, 19 de maio de 2009

Nos passos de Van Gogh



Meu marido e eu somos apaixonados por Van Gogh. Nesta última viagem, visitamos o Monastere Saint-Paul de Mausole, em Saint-Rémy de Provence, França, o sanatório para onde Van Gogh voluntariamente se dirigiu, e onde ficou internado durante um ano, de maio de 1889 a maio de 1890.
Tudo ali é tocante. Afastado da cidade, próximo a um sítio arqueológico romano (Glanum), o prédio do sanatório parece emergir de outro tempo. As grossas, gastas paredes encobrem sofrimento. Uma larga escadaria leva ao segundo andar, onde ficava o quarto de Van Gogh: como o outro, o mais famoso, aquele de Arles que ele pintou com uma cama e uma pequena cadeira de palha ao lado, este quarto também é pequeno, apertado, pobre. Uma cama de ferro, uma pequena janela para a horta e o jardim dos fundos, uma mesinha estreita, não há lugar para mais. Junto à porta, uma fotografia antiga denuncia o mesmo quarto mais próximo do que teria sido à época em que o pintor o habitava: paredes descascadas, a cama de ferro dura, hospitalar.
Sinto opressão. O que sentiria o artista, tomado pelas dores das suas próprias alucinações? Sentiria frio? Provavelmente não, já que era um homem do norte da Europa... eu divago. Mas devia sentir frio na alma! E uma solidão completa, absoluta, aqui perdido dentro de si mesmo e da incompreensão de todos os que o cercavam, loucos e sãos. De algum modo, contudo, conseguia arrancar de si perspectivas, cores, pontos de fuga, tintas com as quais construiu, a partir daquele cenário, alguns dos mais belos quadros da humanidade.
No “roteiro Van Gogh” que o sanatório/museu atual criou, vemos, junto à paisagem que quase não se modificou, os quadros que Van Gogh pintou dela. Comparando quadro e paisagem, percebemos que as pinturas são infinitamente mais intensas, coloridas, intrigantes, dramáticas, doloridas, como a paisagem não consegue ser. E sentimos então toda a magia da arte.

domingo, 17 de maio de 2009

Miseravelmente derrotada pelo teclado francês!



Amigos, amigas, juro que a minha intenção era ótima: ir registrando aqui no blog, à medida que aconteciam, experiências e impressões da viagem maravilhosa que estava fazendo a Portugal e à França, em abril. Até que comecei bem, postando as primeiras sensações de Lisboa, aquela vertigem de se reconhecer no país do outro. Ao chegar à França, ainda postei um pequeno texto.
Até ser completamente derrotada pelo mais letal inimigo dos interneteiros: o teclado francês (azerty), muito — muuuito — diferente do teclado que usamos. Francês gosta de ser original, eu sei — mas precisava criar um teclado diferente do que o resto do mundo usa? Nos cibercafés, eu teclava “Estou no sanatório de Saint Rémy, onde Van Gogh se internou voluntariamente...”, e aparecia na tela algo como “Erwwg nh swnwyu...”. Demorava tanto tempo para eu corrigir o texto, ou para tentar escrevê-lo corretamente — tempo pago em euros —, que logo desisti. Além disso, não é em todo lugar, como aqui, que havia cibercafés. Eles eram raros no sul da França — pasmem!
Assim que cheguei ao Brasil, tive de me submeter a uma cirurgia, que me imobilizou a mão esquerda. Ainda não tirei os pontos, mas já consigo teclar estas bem traçadas linhas (pois no teclado internacional he he), pra ir matando as saudades de vocês. Prometo recuperar o tempo perdido, não à maneira de Proust, mas à minha mesmo: relendo os textos atuais e antigos dos blogs amigos e postando frequentemente. Beijos!