terça-feira, 30 de junho de 2009

A viagem não acaba nunca

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: “Não há mais que ver”, sabia que não era assim. O fim da viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.”

[Último parágrafo de Viagem a Portugal, de José Saramago, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, 2003, em Portugal pelo Círculo de Leitores, 1981, e por Editorial Caminho, a partir de 1985. Conheço poucos textos com essa extraordinária capacidade de, em apenas um parágrafo, expressar os múltiplos sentidos da viagem. Já é um clássico sobre o assunto, um dos meus preferidos. Quis compartilhá-lo com vocês.]
*Imagem daqui

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Ninguém dançava como ele


Vejo Michael Jackson como um ícone do final do século XX/início do XXI, alguém que concentrou em si e em sua trajetória tudo o que marca a nossa época: o exagero de exposição e dinheiro do show business e do mundo das celebridades; a dificuldade em crescer — como Peter Pan, vivia na Terra do Nunca (só que a sua Neverland era uma propriedade milionária); a inclinação à pedofilia (todas aquelas criancinhas à sua volta e os processos movidos contra ele não podem ter sido apenas ilusão); a androginia; a obsessão pela própria aparência, a ponto de, por razões ligadas à doença ou não — ele jamais esclareceu isso —, ter transformado corpo e rosto nos de um ser de outra espécie, um ET, inumano e robótico; a extrema solidão do ídolo exposto, adorado (basta lembrar as centenas de “Maicons” Brasil afora) e sugado pelas multidões, empresários, homens de negócio, aproveitadores e que tais; o exagero no consumo de medicamentos e drogas; a fusão da alta tecnologia às apresentações musicais: seus thrillers em forma de história marcaram o início de uma nova era dos clips ... a lista poderia se estender quase indefinidamente.

Uma coisa, porém, é certa: ninguém dançava como ele. Sua ginga, energia, voz e carisma foram únicos, como mostra o link abaixo, para You rock my world, com o ator Marlon Brando, ou qualquer outro clip de Michael Jackson (não consegui trazer para cá nenhum video do artista dançando, devem estar protegidos). Da sua dança, da sua arte sentirei muita saudade, a ela expresso toda a minha reverência e admiração.
*Imagem daqui

terça-feira, 23 de junho de 2009

Batizado diferente


Meus pais eram ateus e comunistas. Não quiseram, portanto, me batizar. Meus avós maternos eram profundamente católicos. Se havia alguma coisa com que não podiam concordar era sua neta...

[Esta crônica continua aqui]
* Imagem daqui

sábado, 20 de junho de 2009

Miscelânea



Dica, link, prêmio, resmungo :

. Se gosta de livros que não permitem que você se desgrude deles, leia Os homens que não amavam as mulheres (S. Paulo, Cia. das Letras, 2008, tradução de Paulo Neves), do sueco Stieg Larsson. O volume é o primeiro da trilogia “Millenium”, que já vendeu mais de 10 milhões de exemplares no mundo. O segundo título é A Menina que brincava com fogo, também já publicado aqui (estou lendo), e o terceiro deve sair este ano ainda. O autor morreu aos 50 anos de idade, em 2004, assim que entregou o último volume à editora. O livro não tem pretensão a obra-prima da literatura, é um thriller extremamente bem pensado e estruturado: delicioso. Não consigo pensar em outra coisa! Acaba de ser lançado na Europa o filme baseado no livro, também um sucesso.

. Vejam que deliciosa crônica Lupicínio Rodrigues escreveu sobre as circunstâncias que originaram sua música Se é verdade. O final da crônica é imperdível! Música e crônica no ótimo blog Poeira de Sebo, do Mariano.

. Ganhei da minha e-amiga Ana Tapadas, do raraavisinterris, o prêmio internacional Utopie Calabresi. Obrigada, Ana! O prêmio é para blogs que promovem o humanismo. Devo, por minha vez, indicar cinco blogs humanistas para receberem o prêmio. Indico os seguintes, bem diferentes entre si, que visito com regularidade. Os agraciados ficam com a responsabilidade de clicar no bonito selo do prêmio, na margem direita deste blog:

. Esquina do desacato, da Guilhermina
. Luz de Luma, yes party!, da Luma
. Monólogos na madrugada, do Edu O.
. Notícias do interior, do Bernardo Guimarães
. O biscoito fino e a massa, do Idelber Avelar

. Como é que eu posso brincar São João, com esta chuva torrencial sobre o Nordeste?
Imagem daqui

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Poema inútil


poema inútil

Irascível, o poeta resolve rever a própria obra.
Elimina oitenta e nove por cento dos poemas.
“Ruins, péssimos”. Dos onze por cento restantes,
extermina metade, vocifera: “Dispensáveis”.

Ah, poeta!

Não vês? As melhores coisas não servem
rigorosamente para nada. Existem. Simples
assim. Ofertam-se ao mundo, apesar de
certos seres humanos e poetas carrancudos,
a quem, aliás, não dão a mínima importância.

Ah, poeta!

Dá-me todos os versos que jogaste fora. Pesca-os
com paciência, alguns talvez não queiram retornar.
Faz com eles um buquê desajeitado e me oferta.
Adoro coisas inúteis: flores azuis, gargalhadas,
longos pescoços que se curvam graciosos ao luar,
o esperar dos velhos à janela e

Poemas.

Janaína Amado
[Imagem daqui]

domingo, 14 de junho de 2009

Homofobia? Não!


Hoje é dia da Parada Gay em São Paulo. São esperadas 3 milhões de pessoas nas ruas da cidade, gays, lésbicas, travestis, transexuais e heterossexuais que apóiam os direitos dos homossexuais, gente que gosta de participar da alegria, colorido, animação da festa, gente de todas as idades e de várias partes do Brasil e do mundo. É a 13ª Parada do Orgulho GLBT, sua continuidade e sucesso demonstrando o muito que se caminhou, no Brasil, na defesa da plena cidadania.
Mas há muito a fazer, ainda. Todos os nossos homossexuais sofrem ou já sofreram alguma forma de discriminação, como isolamento social, chacotas, não serem contratados para empregos embora fossem os mais aptos, terem o pedido de compra ou aluguel de imóvel recusado devido à preferência sexual, serem impedidos de entrar ou permanecer em algum estabelecimento ou local público, etc.
Se você acha que não é bem assim, que isso nem existe mais, procure um amigo ou conhecido gay ou lésbica e converse com ele/ela sobre o assunto. Escute com atenção, sem prejulgamentos, o que eles têm a lhe contar. Como bem lembrou Idelber Avelar em excelente post sobre o assunto, “a melhor forma de se imbuir do espírito de luta pela justiça social é ouvir as vítimas com atenção“.
Tem mais. Nossos gays ainda são assassinados pelo simples fato de serem gays, isto é, por serem quem são, por apresentarem a orientação sexual com que nasceram. Segundo o Grupo Gay da Bahia, o número de homicídios considerados homofóbicos (isto é, devidos à orientação homossexual da vítima) cresceu 55% em 2008, em relação ao ano anterior. Pernambuco é o Estado que detém o triste recorde desse tipo de crime.
Os homossexuais no Brasil ainda não conseguiram conquistar direitos sociais básicos. São cidadãos de segunda classe: não podem incluir o/a parceiro/a no seguro saúde, declarar em conjunto o imposto de renda ou incluir o/a parceiro/a como dependente, não podem herdar do/a parceiro/a, adotar crianças, ter uma união matrimonial legalizada, etc.
Para mudar essa situação, é preciso agir em diversas frentes. Atualmente, há um Projeto de Lei da Câmara (PLC 122/2006) cujo texto considera a homofobia um crime, isto é, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero no Brasil seria considerada criminosa, como já acontece com o racismo. Aprovado o PLC, a pessoa que se julgar discriminada devido à sua orientação sexual poderá prestar queixa formal na delegacia, e o acusado, se condenado, estará sujeito às penas previstas, que são no máximo de cinco anos de detenção. O texto do Projeto aborda variadas manifestações homofóbicas. Transformado em lei, será instrumento poderoso para ajudar a conter e punir as agressões cotidianas contra homossexuais no país. O Projeto precisa agora ser aprovado pelo Senado Federal.
Para ler o texto integral do PLC, tirar todas as suas dúvidas sobre ele e ainda saber como você pode ajudar na aprovação do texto pelos senadores, entre no site NãoHomofobia, que explica tudo isso muito bem. Um só clique, e você estará dando um passo importante para tentarmos alcançar nossa cidadania plena.
* Imagem daqui: cena da Av. Paulista hoje

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Colo


Têm dias, sabe, em que me sinto completamente sozinha no mundo. Tô fazendo alguma coisa — passeando, por exemplo, ou estudando —, aí me bate uma solidão absoluta, como se ninguém existisse no planeta, apenas eu, perdida entre as altas dunas amarelas de um deserto ...

[Continua aqui]

terça-feira, 9 de junho de 2009

Tarô pessoal, carta 3


O outro
Imagine você me conhecendo, olhando meu olho, bem dentro, bem fundo. Imagine o susto, o
grande susto do abismo. Um passo em falso na escada, você me vendo. Um lance de dados, jogado completamente ao acaso. Palavras que somem, pernas tropeçando no escuro, e o muro, o grande muro. Imagine o absurdo: alguém sem forma sair do limbo. Para quê? Tal coisa só se pergunta ao Destino. De preferência em silêncio.
Aeronauta

Feche os olhos. Concentre-se bem. Sinta seu coração. Escute seus batimentos, entenda o que eles estão lhe dizendo. Agora pergunte ao Destino, em silêncio: quem é este outro que eu faço tudo para ignorar e destruir, mas insiste em viver, em me ver, em me olhar bem dentro do meu olho? Ele me liberta ou me sufoca?

[A primeira parte (até “De preferência em silêncio.”) foi copiada do blog aeronauta, do post “em silêncio”, com concordância da autora, a quem agradeço. Acho um texto lindo, como outros de aeronauta, esta que vive entre nuvens e segredos. A segunda parte (“Concentre-se... sufoca?”) foi escrita por mim, e serve ao tarô pessoal, minha trajetória de vivências e descobertas que estou construindo e partilhando
com vocês. Falando nisso: quem é mesmo esse outro que te habita?]


* Imagem: theyxas, photobucket.

domingo, 7 de junho de 2009

Quinquilharias




Em toda parte do mundo há estas lojas entupidas de quinquilharias, bugigangas, tralhas, pequenos e variados objetos de pouco valor... adoro!
Na minha ignorância, pensei que a palavra "quinquilharia" — acho-a engraçada, me lembra sons de guizos, de pulseiras de metal batendo umas nas outras — fosse nossa, mas vejo que veio do francês. E "bugiganga"... do espanhol. No mundo inteiro juntamos (e vendemos) quinquilharias, ainda bem...

* Foto que tirei na pequenina cidade de Uzès, Provence, França. Aos sábados, durante a feira que ocupa as suas ruas, Uzès inteira recende a alfazema, a ervas, a pão quente, a queijos de cabra e aos pequenos mistérios do cotidiano, garimpados nas conversas dos compadres.

sábado, 6 de junho de 2009

Pra começar bem o dia 5



Memória amorosa

Quando ele aparece
bonito e mudo se posta
entre moitas de murici.
Faz alto-verão no corpo,
no tempo dilatado de resinas.
Como quem treina para ver a Deus,
olho a curva do lábio, a testa,
o nariz afrontoso.
Não se despede nunca.
Quando sai não vejo,
extenuada por tamanha abundância:
seus dedos com unhas, inacreditáveis!

Adélia Prado

Não é absolutamente lindo este poema? Surpreendente, original? Gosto muito dele, por isso hoje o compartilho com vocês.

[Adélia Prado. Poesia reunida. S.Paulo: Siciliano, 1991, p. 346.]

terça-feira, 2 de junho de 2009

Mulher do peito de grama



Meu peito é meu
medidor de sentimentos
esta ferida imensa ferida
custa a cicatrizar

Mas hoje está
hoje está
nascendo grama em meu peito

Fecho os olhos na cama
me cobre um negro céu de estrelas
ah!
mulher do peito de grama

Janaína Amado
[Este blog está me deixando inteiramente incauta, insensata, desmiolada: além de andar cometendo poemas, ainda os posto aqui!]
* Imagem: Marc Chagall, detalhe de vitral, Museu Chagall, Nice, França