quinta-feira, 16 de julho de 2009

Viajar é dar um tempo no blog

Amigos, escrevi tanto sobre viagem nos últimos tempos, viajei tanto em sonhos, imaginação, desejos, que cá estou eu no interior de São Paulo, em visita à família do marido, que se tornou minha também. Esse cantinho do Estado de São Paulo (área próxima a Ribeirão Preto, conhecida como "oeste paulista", mas que na verdade fica no leste - era oeste em relação ao Estado do Rio de Janeiro, onde as plantações de café começaram, para alastrar-se depois pelas terras férteis do interior paulista, trazendo consigo as estradas- de-ferro), este cantinho paulista, tão diverso do meu Nordeste natal e do Rio de Janeiro da minha infância e juventude, incorporou-se à minha vida desde que, há anos, fui aqui trazida pelo Luiz, paulista de Araraquara, com muito orgulho, sim senhor.

O interior paulista é um país à parte, costumo dizer, como outros países também temos no Brasil. Terra de gente muito hospitaleira, com aquele ar gostoso de abraço, mesa farta, bolos, doces, quitandas, sua gente calma e de gostos rurais, mesmo quando na cidade. Mas também terra de progresso, dinheiro, intensa circulação de mercadorias, terra de transformações econômicas rápidas - hoje vejo aqui um mar de cana, estimulado principalmente pelo programa do etanol, e criado em apenas poucos anos -, uma gente com um pé bem fincado aqui e um olho na capital, no estudo, na mudança. Terra de índios (as Piracicaba, Ipuã, Nuporanga, Ituverava, Guará estão aí para lembrar o massacre dos primeiros habitantes do lugar, que no entanto revivem no cabelo corredio, nos olhos puxados e na pele maravilhosamente lisa de alguns), terra de negros, terra de imigrantes, de italianos a japoneses, a coreanos, a portugueses, a espanhóis, a árabes...

Existem muitos velhos, principalmente velhas, na nossa família. Nesses dias tenho ouvido delas histórias emocionantes, um pedacinho aqui - a gente adivinhando o resto, entre pães de queijo e bolinhos de fubá -, um olhar furtivo ali, um meio sorriso mais adiante, uma gargalhada que escapuliu...

Na falta de tempo - cadê possibilidade de correr até a lan house, com tanta atividade que esse povo arruma pra gente? - registro agora apenas a história da tia cansada de, todos os dias, durante décadas, ficar à disposição do marido às cinco horas da tarde, para servir-lhe a janta, que ele, homem metódico, exige às seis, porém exige fresca, recém preparada por ela (a comida do almoço não lhe serve), mas, muitas vezes, contrafeito, ou desinteressado, não come. Pois essa tia, cansada da doméstica obrigação, anteontem deu seu grito de independência, viajando conosco para a cidade vizinha, onde nasceu e passou a infância, sem horário - sem horário, vejam bem - para retornar ao marido e à sua janta das seis. Desejava realizar um sonho, pasmem, de anos - perambular um pouco pelas ruas da cidadezinha natal, reconhecer nos velhos prédios, na estação, na praça principal partes do próprio passado, decerto para tentar conferir algum sentido, alguma forma à existência ali vivida: quem sabe a de uma colcha colorida de retalhos, tão bem feita pelas velhas do lugar? Assim a tia fez, andando sozinha o quanto quis. Depois reuniu-se a nós na casa de uma sobrinha, para boas gargalhadas, que a família é palhaça, até as oito, as nove, as dez, sei lá até a que horas da noite, daquela noite que escolheu para ser unicamente dela.

Tive a maior admiração pela tia. Para mim, seu tímido, pessoal, rouco e abafado grito de independência foi tão importante quanto os feitos das outras mulheres nossas mais famosas. As vidas de muitas mulheres ainda se passam exclusivamente entre os estreitos corredores familiares, e toda conquista ali, na obscuridade e submissão da cozinha e da alcova, é tão impressionante quanto as mais retumbantes vitórias coletivas femininas.

Volto a contatar de Maceió. Se dispuser de algum tempo antes disso, retorno daqui para contar-lhes a história da tia que foi a primeira da região a se casar com um japonês e a ter de adaptar-se àquela distante (hoje muito mais próxima) cultura.

5 comentários:

Anônimo disse...

ê viagem boa de velsar e revelsar

Anônimo disse...

Eu espero me encontrar de vez nesse mundo diferente, tão bem descrito por você postagem. bj

Anônimo disse...

Pães de queijo, bolinhos de fubá
para vocês; para os leitores do
blog, fome e inveja (de vocês).
Comam por nós e não esqueçam de
assistir a um jogo da Ferroviária
de Araraquara.

SIDNEY WANDERLEY

Lord Broken Pottery disse...

Jana, querida,
Acho que essa coisa de interior, paulista ou não, é que é forte. As pessoas aproximam-se, convivem, tornam-se mais íntimas. Recentemente estive em Recife, exatamente no dia do São João, surpreendi-me com o feriado. Todos falavam de Caruaru como de um lugar mágico, fascinados pelo interior. Em Porto Alegre ouvi falar o mesmo sobre as cidadezinhas gaúchas. Em todos estes lugares existem tias muito parecidas com a que você descreve. Tenho pensado muito nisto: gente é menos gente nas capitais.
Beijo

graça sena disse...

Oi, Janaína, passei aqui para buscar algo sobre Jacinta - vão homenageá-la no dia 29 de julho - e me deparei com sua postagem de retorno que mencionava Araraquara. Vivi cerca de dez anos nessa cidade (mestrado e doutorado na Unesp) e fiz tão bons e inesquecíveis amigos. Na ponte Cruz das Almas/Araquara existe muito mais em comum do que se poderia imaginar. bj