Frida Kahlo, Minha ama e eu, óleo sobre tela, 1937
Fundação Dolores Olmedo, cidade do México
Tem dias, sabe, em que me sinto completamente sozinha no mundo. Tô fazendo alguma coisa — nadando, por exemplo, ou estudando —, aí me bate uma solidão absoluta. Como se ninguém mais existisse no planeta, só eu, perdida entre as altas dunas amarelas de um deserto onde o vento é tão forte que seca meu corpo e carrega pra sempre a minha alma. Nesses momentos é ótimo encontrar seus olhos escuros, atentos, atenciosos. Só eles conseguem me devolver a alegria do mundo concreto.
Às vezes me sinto muito fraca diante da vida. Todos são mais bonitos, capazes e melhores do que eu. Os meus colegas são mais espertos, as minhas amigas, mais lindas, e até Juliana, minha irmã caçula, está conseguindo muito mais sucesso do que jamais tive. Sou poeira, cisco que a ventania leva pra onde quer e deposita depois na lama, junto aos caranguejos. A mais fraca de todos os seres, nem consigo carregar meu próprio peso: ando curvada, nariz pro chão. Sugada por alguma força misteriosa, minha energia escorre por um ralo enorme que nem sei onde fica. De noite, me tranco no quarto chorando sozinha pra ninguém ver, cara enterrada no travesseiro.
Se no caminho pro quarto, porém, eu encontro você, e se você, parecendo perceber o que vai dentro de mim, ou mesmo sem perceber você me abraça, me beija, me faz carinho, então vou sentindo a vida renascer, espalhar-se pelo meu corpo, desde o centro da minha barriga. Às vezes melhoro tanto que desisto de ir chorar. Fico por ali mesmo, plugada na sua tomada, mina das minhas energias. Se você gosta de mim, diabos! não posso ser tão fraca e desprezível assim.
Lembra quando tratei você supermal, lhe fiz aquela má-criação gigante? Eu andava nervosa, tudo naquela época dava errado pra mim. Até papagaio implicava comigo! Descontei em você, a mais próxima, a primeira que me apareceu pela frente naquela noite, reclamando não me lembro mais do quê. Fui grossa demais. O pior é que nem notei, mergulhada na minha própria vidinha, no meu redemoinho particular, apartada dos sentimentos alheios.
Só dias depois percebi o tamanho da minha estupidez, e sabe como? Senti falta do seu riso. Meu astral já estava melhor, o mundo parecia aos poucos voltar aos eixos, então por que eu sentia aquela tristeza, logo na hora de jantar com você? Vi de relance seu rosto sério, cabisbaixo, riscando lentamente a toalha com a faca... Na saudade do seu riso, lembrei da minha explosão dias antes, juntei causa e conseqüência. O remorso daquela hora, eu sei, foi egoísta: “Não posso feri-la de novo”, lembro que pensei, “pois eu não suportaria viver sem o seu riso.”
Só pra terminar: até hoje, do que mais gosto na vida são dos seus colinhos. Tô sabendo — sou grande demais pra colo, nunca sei direito onde colocar esses braços e pernas desengonçados, que cresceram desmesuradamente, escapando desordenados pra todos os lados. Sei que dói em você quando pulo em cima... Mesmo assim, repito: eu, a garça pernalta, adoro até hoje o seu colinho! Ele é como um útero, acolhedor, calmo. Silencioso. Quentinho... Traz paz.
Seu colo é bom demais, minha filha!