
Como vocês, sou bombardeada a todo instante por uma quantidade inimaginável de notícias, que me chegam pela net, televisão, jornais, celular e o escambau. A maioria das notícias é ruim, é péssima, sabemos instantaneamente de todas as desgraças do mundo inteiro. Para sobreviver a esse massacre, tentar me proteger da dor e indignação excessivas, muitas vezes visto uma couraça. Esta minha dura couraça de indiferença e esquecimento, todavia, às vezes se parte. E sou então atingida no coração, e quase morro com a força do petardo.
Minha couraça rompeu-se há poucos dias, e ainda não se fechou, desde que ouvi a notícia: mataram no Recife o jovem universitário Alcides do Nascimento Lins, de 22 anos. Em 2007, Alcides irrompera no noticiário como um exemplo, como aquele que se recusara a aceitar a vida miserável que o destino lhe reservara. Filho de uma catadora de lixo, que criava sozinha os quatro filhos, Alcides estudara apenas em escolas públicas, longe de sua casa – percorria o trajeto de muitos quilômetros a pé, sob sol ou chuva, às vezes descalço –, sem livros nem cadernos nem recursos próprios, aperfeiçoando-se em bibliotecas públicas. Mas, aos 19 anos de idade, Alcides acabara de ser aprovado no concorridíssimo vestibular para o curso de Biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco. A notícia me chegou então como um sol, uma esperança, um sinal de que afinal, aqui e ali, ao nível individual era possível salvar-se do círculo inexorável da miséria, da fome, da droga, da doença, da marginalidade, para tentar alcançar algo melhor, uma vida mais digna de ser chamada de vida.
As circunstâncias da morte de Alcides derrubaram definitivamente esse meu fio de esperança. Alcides morreu vítima da mesma miséria da qual tentou escapar. Os assassinos – mais pobres do que ele – procuravam um vizinho seu, para um acerto de contas relativo ao tráfico de drogas. Como Alcides não soube informar onde estava o vizinho, foi assassinado com tiros ali mesmo, em frente à sua casa, no bairro pobre da Torre, no Recife, onde foi criado. Sua mãe, Maria Luíza Ferreira do Nascimento, 44 anos, desesperada, disse que não sabe mais como seguir em frente.
Eu também não sei.
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Foto de Alcides do Nascimento Lins, trazida daqui.