
[Amigos, desculpem ter aparecido pouco por aqui ultimamente. Um conjunto de coisas me afastou, mas já estou de volta, alegre e com saudade.]
Fui criada no Rio de Janeiro, para onde meus pais se mudaram quando eu tinha três anos de idade. O Rio é a minha cidade afetiva, a que me traz mais memórias recuadas, aquela em que melhor me reconheço. Não este Rio de agora, dilacerado por conflitos sociais e pela degradação que atinge todas as suas esferas e teima em destruir — felizmente, ainda sem conseguir — uma das mais belas e acolhedoras paisagens do mundo.
No Rio onde cresci, nós, as crianças, brincávamos na rua. Isso mesmo: montes de crianças espalhadas ao mesmo tempo pelas calçadas, dá pra imaginar isso no Rio de hoje? E eu não morava em subúrbio afastado ou área semirural, não. Fui criada em Copacabana, na Av. Princesa Isabel, a rua do túnel novo. Ali, e poucos sabem disso, há duas ou três vilas, com casas. Uma senhora idosa, que morava numa delas, aborrecida com a algazarra que aprontávamos, costumava chegar à janela, furiosa, e nos enxotava:
— Saiam daqui, já!
Pois nós, mãozinhas nas cinturas, respondíamos: — O que é, hein? Tá pensando que a rua é sua, é?
A rua era nossa.
Paulatinamente, devido a uma série de fatores conjugados — crescimento da violência urbana, piora do trânsito, superpopulação, aumento do tráfico de drogas, diminuição dos espaços públicos, entre outros — as crianças foram sendo expulsas das ruas. Cada vez mais confinadas às casas, apartamentos, praças cercadas, escolas, pequenos pátios murados, isolados... Espaços não apenas menores, como internos, interiores, e muito vigiados. Neles, a presença de adultos é constante, o que deixa poucas possibilidades às crianças para interagirem livremente, descobrindo o mundo a partir de seus interesses, necessidades e desejos. E ainda cria um bocado de estresse para elas como para os adultos, pois, obrigados a conviver mais do que gostariam, se irritam e se castram mutuamente.
Os espaços urbanos foram ficando tão distantes da infância que, hoje, a expressão “meninos de rua” designa crianças muito pobres, sem estrutura nem apoio familiar, financeiro ou social. As ruas, que já foram minhas e dos meus amigos, tornaram-se espaços degradados.
No Rio onde cresci, nós, as crianças, brincávamos na rua. Isso mesmo: montes de crianças espalhadas ao mesmo tempo pelas calçadas, dá pra imaginar isso no Rio de hoje? E eu não morava em subúrbio afastado ou área semirural, não. Fui criada em Copacabana, na Av. Princesa Isabel, a rua do túnel novo. Ali, e poucos sabem disso, há duas ou três vilas, com casas. Uma senhora idosa, que morava numa delas, aborrecida com a algazarra que aprontávamos, costumava chegar à janela, furiosa, e nos enxotava:
— Saiam daqui, já!
Pois nós, mãozinhas nas cinturas, respondíamos: — O que é, hein? Tá pensando que a rua é sua, é?
A rua era nossa.
Paulatinamente, devido a uma série de fatores conjugados — crescimento da violência urbana, piora do trânsito, superpopulação, aumento do tráfico de drogas, diminuição dos espaços públicos, entre outros — as crianças foram sendo expulsas das ruas. Cada vez mais confinadas às casas, apartamentos, praças cercadas, escolas, pequenos pátios murados, isolados... Espaços não apenas menores, como internos, interiores, e muito vigiados. Neles, a presença de adultos é constante, o que deixa poucas possibilidades às crianças para interagirem livremente, descobrindo o mundo a partir de seus interesses, necessidades e desejos. E ainda cria um bocado de estresse para elas como para os adultos, pois, obrigados a conviver mais do que gostariam, se irritam e se castram mutuamente.
Os espaços urbanos foram ficando tão distantes da infância que, hoje, a expressão “meninos de rua” designa crianças muito pobres, sem estrutura nem apoio familiar, financeiro ou social. As ruas, que já foram minhas e dos meus amigos, tornaram-se espaços degradados.
* Imagem: Cândido Portinari, "Meninos brincando"